sábado, 26 de junho de 2010

De repente todos os lugares podem ser Minas Gerais

Noite de sábado, fim de uma semana que ainda não terminou. Por quê? Trabalhei hoje, trabalharei amanhã. Então a semana não tem fim. E a outra não vai ter começo. Pauso apenas para tomar um chocolate-quente, feito com pedaços de chocolate meio amargo (adoro); é uma das partes boas do inverno.

Sempre ando muito de carro por esta cidade – Belo Horizonte. E eu sempre viajo; não só no sentido de locomover-me dentro de um automóvel mas, mentalmente. Isso, de forma que consigo quase fisicamente embarcar em minhas sensações de exterioridade em relação ao lugar em que estou; no caso, o carro, o ônibus, ou quando estou a pé. Se eu estiver ouvindo música, a sensação é próxima a uma sinestesia[1].

Como eu nasci no estado do Rio de Janeiro, na pacata cidade de Resende e num inverno como este, eu tenho a oportunidade e a possibilidade (ou quem sabe até a necessidade) de um sentir múltiplo. Como assim? Boa pergunta, eu não sei responder com exatidão. Mas algumas pessoas sabem, porque tem um feeling parecido. E me entendem per-fei-ta-men-te.

Eu estou em Minas. Mas há lugares de Minas que não são Minas. E há lugares fora de Minas que são tão mais Minas... Ai!... E talvez seja por isso que eu vim, carregada pelo vento, vestir-me desse ser-Minas-Gerais, pra confirmar essa mineiridade. Antes de conhecer Minas eu já era mineira; eu já era barroca, eu já gostava de café quentinho, pão de queijo e manhãs frias numa cidade-do-interior-de-qualquer-lugar, já gostava de ver a neblina pela manhã, de viajar cedinho conversando com os meus, de chegar cedo na casa de meus avós (principalmente os maternos, que estão ainda vivos e moram em Fumaça, zona rural de Resende), tomar leite gorduroso retirado da vaca no último instante, comer aquela broa que a vó fazia/faz cedinho, e depois sentar-me, com meus primos e tios, na praça; sempre na presença de um violão (mesmo que – às vezes – com 5 cordas e um pouco desafinado – risos). Isso tudo é Minas. E eu descobri cantos de Minas no Rio. Descobri pessoas no Rio que são Minas mais Geraes do que tantos mineiros que conheço aqui, em Belzonte. E descobri mais: que estar em Minas não é, necessariamente, ser Minas tão Gerais (parafraseando meu “pai-musical”, Milton Nascimento – amo)...

A capital, essa metrópole, contemporânea demais, abafa, sufoca esse ser mineiro. Há aqueles que conseguem conservar sua mineirice (mesmo não sendo nascidos aqui) e há aqueles que adaptam suas mentes à metrópole, reproduzindo o tipo de atitude que o sociólogo Georg Simmel chamou de atitude blasé: são recebidos tantos estímulos que o indivíduo, para manter-se estável psiquicamente, adota uma série de contatos e comportamentos superficiais, evitando o excesso de estímulos nervosos. De forma mais simples: as pessoas vão-se tornando impessoais.

Eu, ao contrário, sou receptiva a todos os estímulos, e por isso eu tenho o que chamo jocosamente de “surto”. Vejo-me engolida brutalmente pela cidade a ponto de ter que me tornar uma cidadela, um “interior-de-Minas”, porque preciso me referenciar em algo pequeno para que eu mesma caiba dentro de mim e consiga abarcar-me a mim mesma. (Difícil isso? Pra mim também é... Risos.) No fundo, eu ainda estou plantada na pequena Resende e nos cantos por ali, naquele Vale do Paraíba. Estou plantada naquela região ali, onde estabeleci ligações umbilicais com tantas coisas. E talvez por isso eu não tenha penetrado (isso mesmo, adoro usar essa palavra nas horas impróprias) em atividades aqui nesta cidade (BH) que demandassem mais de mim do que eu ainda dou, dei e quero dar às pequenas Minas de onde eu vim, onde eu nasci e onde eu estou “amarrada” umbilicalmente.

Talvez só agora eu tenha entendido plenamente o que é ser do mundo, ser Minas Gerais. Antes, eu entendia num sentido mais geral e amplo, agora eu entendo com o coração e com a minha própria experiência de sentir onde existe e onde não existe Minas... Tenho saudade de Minas... Saudades dessas que chamei carinhosamente de pequenas Minas. Porque às vezes estar fisicamente em Minas não é tão significativo, e eu sinto isso constantemente.

E de repente todos os lugares podem ser Minas Gerais: dentro de um livro, de um sentimento de bucolismo (compartilhado ou não, risos), de acordes de um violão, num jeito de falar, de olhar, de acolher, de receber... Minas é cada canto do meu coração-barroco. Minas é dentro da gente, assim como o sertão (Guimarães Rosa...).

Nesta reflexão, (isso ta mais pra surto do que pra reflexão, mas tudo bem), inspirou-me a música “Saudade de Minas”, que conheci há algumas semanas, mas que me falou tanto ao coração, por mil motivos e acontecências (...). Não vale ler o post sem ouvir a música, ok? (Risos.)

Continua o cheiro do chocolate-quente, restante no fundo da xícara. Faz frio. Eu já tenho sono e, mais uma vez, transportei minha alma para outro lugar.


Saudade De Minas



Sabe aqueles dias que você acorda
E um baixo astral invade a sua porta
Todas as janelas sangraram
Todas as pessoas sumiram
Não existe Minas mais por aqui

Você se transforma corre e vai pra rua
Quer ver as pessoas com cara de sol
Mas sobraram restos de lua
Causando um eclipse na esquina
Não existe Minas mais por aqui

Só então você vai entender
Que em toda cidade é assim
Pessoas estão a querer a felicidade
Carros e buzinas vêm dizer
Que o meu coração se enganou
O mal que ele tinha
Era saudade de Minas...





[1] Sinestesia (do grego συναισθησία, συν- (syn-) "união" ou "junção" e -αισθησία (-esthesia) "sensação") é a relação de planos sensoriaisdiferentes: Por exemplo, o gosto com o cheiro, ou a visão com o olfato. O termo é usado para descrever uma figura de linguagem e uma série de fenômenos provocados por uma condição neurológica.