sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A toda vida, toda Graça!

(Este texto é uma republicação, não fiz revisões nem retirei nada. Foi escrito e publicado por mim, em julho de 2007.)

Sacramento, no popular, é ritual que marca as fases da vida do crente. É um conceito cristão.
“Sacramento” é "símbolo de coisa sagrada" ou "forma visível de uma graça invisível". (Santo Agostinho)
Sacramento vem do latim - sacramentummysterium, traduzidos do grego mysterion. O mistério não significa, porém, uma deficiência humana, um “não-saber” ou “não-atingir”. O mistério leva o ser humano ao conhecimento do outro, e a maneira adequada de se conhecer o outro é amando-o. O mistério é invisível, o sacramento é o sinal dessa graça invisível.
Na tradição cristã-católica esse Mistério é o Acontecimento Pascal, a celebração da vida, morte e ressurreição de Cristo e a doação do Espírito Santo. Os sacramentos, pois, condensam a celebração do todo da vida, a festa.

Em cada sacramento celebramos a graça de Deus presente em nossa vida à luz do Mistério Pascal de Cristo, recordando este mistério. Mesmo antes ou sem a celebração dos Sacramentos a graça de Deus está presente. O sacramento é a celebração desta presença.  (Hottz, p.18)

A graça de Deus não se trata de algo fora do ser humano, mas a relação deste com Deus. Graça é dom, ato recíproco e gratuito, não é mérito do ser humano, graça é charis (grego), favor sem recompensa, Deus se doando.
Se sacramento é sinal visível de graça e graça é Deus presente, como podem os sacramentos ser meramente ritualísticos, como são entendidos na grande maioria das vezes? Sacramento é a celebração, a foto e a lembrança de, por exemplo, batizado, primeira Eucaristia? Como pode o todo da vida não ser sacramento?
Estar na presença do outro, amar o outro e, assim, conhecê-lo, é fazer e tornar a vida momento de encontro sacramental.
É sacramento uma troca de olhares mútuos, recíprocos. É sacramento um bom dia ao vizinho. É sacramento o encontro a dois a fusão, complementação de corpo, mente e alma animus eanima[1]Em tudo isso podemos observar como somos seres – como diz Leonardo Boff – de estrutura pascal.
Fazer da vida sacramento é admitir, viver e reconhecer a presença e penetração da graça de Deus em nossos dias. Os sacramentos da Igreja são convites à vivência da experiência de Deus. São convites a experimentar Deus, a estar na e ser transcendência. Assim, podemos encontrar o sagrado naquilo que, por vista grossa, é profano. Tanta coisa é profanada por nós mesmos... O amor, a família, a amizade, a relação com a natureza, enfim, a relação com o alter, que não é uma pessoa ou outra, mas um todo de gentes e de gente. Deixamos secularizar aquilo que é o mais sagrado de todos os acontecimentos: a vida. A vida enquanto dom, nosso e de Deus; a vida enquanto direito; a vida enquanto existência; a vida enquanto essência humana, e, logo, divina.
A vida precisa do cuidado de mãos que sabem cuidar – ou de mãos que podem aprender a cuidar, de gestos que amam, gestos que purificam, palavras que vivificam, olhares e visões que plenificam, abraços que complementam e completam, ações que a engrandeçam, doação de coração, espaço para a transcendência.
Nossas ações de morte são, por vezes, inevitáveis. Mas a morte não é um oposto à vida, é parte da vida. O que não significa que deve haver morte para que a vida se faça, que deve haver opressão de gentes e mentes para que o ser humano seja livre e tenha sua dignidade e sua cultura respeitadas.
Viver é o todo. É a grande liturgia! É permanecer e movimentar-se num cosmos de relações íntimas com o coração de Deus a todo instante. Porque estar no coração de Deus é pisar neste chão, caminhar com os pés e tudo o que somos em direção a uma “mística de tudo”, ou uma “espiritualidade na carne quente e mortal, dimensão do ser humano” (Boff, p. 51).
Viver é, por excelência, um ato sacramental. É sempre selar compromisso, é sempre criar encontro e espaço privilegiado para a transcendência.
Por isso, já dizia São Tomás de Aquino: “A TODA VIDA, TODA GRAÇA!”

[1] expressão difundida pelo psicanalista C.G. Jung para designar a dimensão masculina (animus) e feminina (anima) presentes em cada pessoa. 



BOFF, L. Espiritualidade – um caminho de transformação.Rio de Janeiro: Sextante, 2006.
BOFF, L. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos. Minima Sacramentalia. São Paulo: Vozes, 2001.
BOFF, L. Tempo de Transcendência – o ser humano como um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
HOTTZ, Paulo Roberto. Sacramentos I. Apostila do Instituto Diocesano de Teologia Monsenhor Barreto.
CIC – Catecismo da Igreja Católica. p. 222, 774. São Paulo: Loyola, 2000.